quinta-feira, 30 de abril de 2015

CANTIGAS AO DESAFIO


Mote

«Cantigas ao desafio
Comigo ninguém as cante;
Eu tenho quem mas ensine,
Meu amor é estudante

*

Desenvolvimento

Teu amor é estudante
O meu já é sô doutor;
Cantigas que ele me ensine
Têm a marca do rigor.

*

Gostas muito de cantar
Mas não cantas nada bem;
Cantar é um dom que nasce
No ventre de nossa mãe.

*

Só porque tu cantas mal
Julgas os outros por ti;
Eu canto qual rouxinol,
Na natureza aprendi.

*

A vaidade não te falta
E orgulho, nem falar;
Julgas-te brilhante estrela,
Linda santinha de altar.

*

Não sou brilhante estrela,
Nem um pedaço do céu;
Sou uma humilde mocinha
Que para a canção nasceu.

*

Se cantasses, como eu canto,
Com notas finas e aladas;
Julgar-te-ias princesa,
Ou a rainha das fadas.

*

Quando te ouço cantar
Sinto desejos de rir;
A boca boceja tédios,
Não sei como resistir.

*

Então eu, quando te ouço,
Penso logo em fugir;
Por vergonha não o faço,
Tenho mesmo que te ouvir.

*

Eu prefiro ouvir o galo,
O pobre gato a miar;
Até o cuco no mato,
Lobos no monte a uivar.

*

Eu prefiro ouvir trovões,
A chuva forte a cair;
A acha a arder na lareira,
O comboio a partir.

*

Marco Paulo e Abrunhosa
À tua beira, são bons;
Calvário e Quim Barreiros,
Rebuçadinhos, bombons.

*

Quem desdenha quer comprar,
Dizes mal, é porque gostas;
Se não gostasses de mim
Viravas-me logo as costas.

*

Presunção e água benta
Cada qual toma a que quer;
Tu és uma convencida,
Tens muito para aprender.

*

Deixemos isso pra lá
E dêmos um grande abraço;
Cantamos ambas mui bem,
Com nossa voz de melaço.

*

Disseste pura verdade,
Cantamos ambas mui bem;
Somos caninhas rachadas,
Uísque de Sacavém.

Em coro:

Temos maviosa voz
Pra cantar ao desafio;
Com mil peixes a escutar,
Movendo-se em rodopio.

Joaquim Rocha

terça-feira, 28 de abril de 2015

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

                                       Por Augusto César Esteves

(continuação)...


    O curioso, porém, pode ler ainda estas linhagens na pedra por ele mandada colocar no portão da sua quinta de Lapela. Em 14/3/1703 comprou a metade do Moinho chamado de «Ponte Pedrinha.» Mas pouco depois, um ou dois meses andados tão-somente, Frei Domingos Gomes de Abreu foi enviado pelo Conde de Atalaia, Governador das Armas da Província do Minho, ao reino da Galiza «a certo negócio» do serviço de el-rei. // Por razões hoje ignoradas, mas que é legítimo filiar em questões da Guerra da Sucessão ao trono de Espanha, na qual el-rei D. Pedro II se tinha envolvido em 1701, o Governador de Vigo prendeu este mensageiro do Conde de Atalaia em sua casa e durante cinco dias o reteve nas minas do Castelo do Crasto; dali passou-o para o Castelo de Santo António, na Corunha, e por último para o Cárcere Real, a fim de lhe «darem questão de tormento».
          Foi nestes aflitivos transes que o familiar do Santo Ofício, lembrando-se dos inumeráveis milagres realizados naquelas redondezas por Nossa Senhora da Pastoriza, a excelsa titular duma pequena paróquia da província de Lugo, a invocou e lhe pediu amparo, prometendo levantar-lhe uma capela na sua terra natal, no vistoso sítio do Coto da Pedreira, se a Senhora da Pastoriza permitisse o seu regresso a casa dentro de um ano. E como passados cinco meses e cinco dias foi degredado para fora dos limites de Espanha por decreto especial, nunca mais esqueceu o seu voto e, se mais cedo o não cumpriu, foi por seu espírito andar ocupado das operações da Guerra da Sucessão, na altura desenroladas neste termo.
          Com efeito, Frei Domingos Gomes de Abreu, português de lei, patriota exaltado, militar brioso e aguerrido, nunca permitiu aos galegos ofenderem-nos impunemente e, por isso, durante esta guerra permaneceu sempre de ouvido à escuta, sempre pronto para fazer pagar caro aos vizinhos da fronteira os tormentos que lhe infligiram. E caro foram eles pagos uma e muitas vezes. // Certo dia, a 10/5/1704, quando ouviu nesta Vila o primeiro rebate sineiro, que dava os galegos a pretenderem lançar ponte junto da Barca Nova, no vizinho termo de Valadares, não perdeu tempo a reunir a sua companhia; armou-se logo, montou a cavalo, arrastou consigo os criados da casa e foi reconhecer o poder do inimigo. Animando todo o povo e especialmente os de Valadares, que estavam presentes ao acto mavórtico carecidos de energia belicosa, levou-os à defesa intransigente da passagem, resultando desta sua atitude o inimigo tomar e queimar tão-somente algumas barcas postadas da sua banda. // No ano seguinte Frei Domingos requereu para ser provido no posto de Sargento-Mor das Ordenanças desta vila e termo, que não tinha ordenado ou emolumento algum, mas só o honorífico, como alegou, mas foi indeferida a pretensão; não, decerto, por carência dos necessários requisitos, mas, talvez, por ter requerido findo o prazo marcado nos editais afixados a anunciar a vaga.
          Após tudo isto, a 20/5/1706, quando o inimigo intentou passar a esta província de Entre-Douro e Minho, D. Sancho de Faro e Sousa, Mestre de Campo General e Comandante das Armas da Província, ordenou ao Capitão-Mor deste termo, Pedro de Sousa Gama, mandasse duas companhias do seu distrito guarnecer o posto de Cavaleiros e ali abrir as trincheiras de antemão delineadas para impedirem o passo ao inimigo. Para este serviço uma das companhias escolhidas por este militar foi a do Capitão Frei Domingos Gomes de Abreu, que nesse tempo escavou cento e cinquenta braças de trincheiras e noutra altura mais sessenta braças e o comandante apenas foi rendido quando foi necessário acudir a outros pontos.
          Em 1707 as suas energias não foram dadas exclusivamente ao serviço militar. Em 3 de Março tomou posse do cargo de vereador da Câmara e nele continuou durante alguns anos, tendo-se evidenciado numa questão com o abade da Vila, reverendo João Dias dos Santos, retratado algures em letra do Padre Bernardo de Araújo, como o que «folga bem de meter-se aonde o não chamam.» // (continua)...

segunda-feira, 27 de abril de 2015

DALILA

  
Traidora, perversa, sem coração,
Que fizeste às mil promessas de fé?
Como ousaste destruir Sansão
O filho querido de Manué?

Acima do amor, da ilusão,
Por um cento de moedas da ralé,
Colocaste teu homem na prisão,
Empurraste-o para o vil banzé.

Mas eis que volta a força do gigante,
Apesar da vista morta e sem pêlo,
Para se vingar da megera amante

E de todo o filisteu aí sem zelo.
Encosta-se às colunas, cai o templo,
E na morte ficou como exemplo.

domingo, 26 de abril de 2015

O HOMEM E O CÂO

Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira 

     Já no passado remoto o ser humano tinha uma certa simpatia pelo cão; não porque o considerasse um seu igual, muito menos superior, mas sim porque nele reconhecia certas capacidades que serviam o seu interesse. O olfato apurado, a sua resistência a temperaturas fora do comum, a sua fidelidade canina, etc., permitia aos nossos antepassados utilizá-los em determinados momentos sem grandes custos. E assim “nasceu” o cão de guarda, o cão de caça, o cão de água, o cão pastor, o cão puxa trenós, o cão polícia, o cão ator, etc. No entanto, e à medida que os séculos decorriam, o ser humano urbanizou-se, passou a viver em vilas e cidades, e os cães, tal como os cavalos e burros, foram perdendo algum do seu “prestígio”, quase iam sendo esquecidos. Segundo consta, em alguns países asiáticos, eram abatidos para com a sua carne se confecionarem alguns pratos de culinária! O cão era sem quaisquer dúvidas uma espécie em vias de extinção há uns séculos atrás. Com a industrialização, com o comércio em grande escala, com a criação de riqueza, o dinheiro começou a circular cada vez em maior quantidade, as fortunas surgiam aqui e ali, radiantes, os palacetes, as vivendas luxuosas, cresciam como cogumelos no bosque, sobretudo na Europa, e os caprichos aumentavam exponencialmente. A maior parte dos ricos fumava, bebia, drogava-se, organizava orgias de toda a variedade, extravagantes, deixando envergonhados os antigos deuses do Olimpo. E o cão continuava esquecido, no limbo, mas eis que nos séculos dezanove e vinte, com o excesso de fortuna, rompem as modas. São os corpos que se exibem nos diversos palcos: teatro, revista, cinema, e mais tarde televisão. Com o aparecimento desta última, e sobretudo depois da segunda guerra mundial, o planeta terra transformou-se num lugarejo duma qualquer freguesia perdida algures. Todos se conhecem! Que importa ter imenso dinheiro se muitos têm iates, carros, motas, têm cursos médios ou superiores, os famosos canudos, viajam constantemente, falam duas ou três línguas, vestem roupas de marca, a chita já ninguém a quer! A diferença, pensaram alguns, está em comprar um palacete com alguns séculos, onde residiram guerreiros famosos, um carro caríssimo, ter uma data de criados (leia-se empregados ou colaboradores). Para surpresa sua, e nossa, alguns desportistas – jogadores de futebol, de basquetebol, de ténis, ciclistas, etc., - começaram a ganhar centenas de milhares de euros por mês, verdadeiras fortunas, e a investir precisamente em casas apalaçadas, em brutos automóveis, em tudo que traga prestígio. Figo, Zidane, Cristiano Ronaldo, e tantos outros, movimentam hoje em dia rios de dinheiro, milhões! Até treinadores, que outrora ganhavam uma ninharia, o Meirinho, por exemplo, ganham agora mais do que alguns atores famosos. Médios empresários são pobres à sua beira! Alguns milionários compram cadeias de televisão, equipas de futebol, etc.; outros compram lugares em naves espaciais e vão dar um passeio no espaço! Ficam conhecidos durante algum tempo, todos gostariam de os imitar, o nosso povo chora de raiva, porque só consegue o carro, às vezes em segunda ou terceira mão, o telemóvel, sedento de carregamentos, o televisor, e o cão! Aqui é que a porca torce o rabo. Devido a várias experiências, há cães para todos os gostos e de todos os tamanhos. Os ricos podem ter cães grandes, bonitos, pura raça? Podem contratar empregados para os passear e limpar a sua porcaria? Não interessa – o pobre, ou o remediado, tem o bicho que pode ter. Exibe na rua o rafeiro, por vezes raquítico, devido à falta de proteínas, sujo, e sempre a coçar-se porque as pulgas não o largam, com chagas visíveis e invisíveis, deixando o seu imundo cocó em tudo que é passeio ou jardim, até nas bonitas praias portuguesas, incomodando meio mundo para que eles se possam comparar àqueles que – graças à sua enorme conta bancária – tudo podem possuir e obter, até a lua se assim o desejarem, que já há muito tempo deixou de ser dos poetas! E esta moda de passear o cão pegou de tal maneira (talvez superior à da mini saia) que não há neste país lugar ou freguesia, vila ou cidade, rua ou praça, alameda ou avenida, que não mostre os sinais do tempo, isto é, os poios, mais ou menos sólidos, dos animais tão queridos deste povo que ainda há quarenta anos atrás os corria a pontapés e os matava, ou mandava matar, com bolinhas de carne embebidas em veneno! Este povo que emigra e traz do estrangeiro as coisas más, e as boas raramente as copia. Este povo que não progride intelectualmente, mas imita na perfeição os vícios de alguns americanos, ingleses, franceses e tantos outros, que devido ao excesso esqueceram as virtudes e o respeito que devem a eles próprios, e sobretudo aos outros. Que me interessa a mim que o presidente dos Estados Unidos da América passeie o seu cão nos belos jardins da Casa Branca? Que lhe faça bom proveito. O ricaço leva para o seu iate o cão? Tudo bem, tem imensos criados para limpar o que os cães sujam. A madame acaricia o seu cão em público? Pura exibição!
               
     Eu não sou contra os cães nem contra quaisquer outros animais, para mim são criaturas que têm direito à vida, tal como eu; mas o ser humano, esta espécie tão diferente das outras, com linguagem e pensamento elevados, outrora tão sociável, devia concentrar-se mais em si própria, preservar convenientemente os lugares que habita, dedicar o seu tempo disponível aos seres da sua espécie. Quantos idosos têm o carinho que alguns cães usufruem? Muitos deles morrem sozinhos, abandonados pelos seus familiares, em lares pouco recomendáveis. E algumas crianças, abandonadas pelos progenitores, e violadas por energúmenos (será que alguma vez vão ser severamente castigados?) perdem a sua personalidade, a sua alegria de viver. E nós que fazemos? Passeamos cães, pegamos neles ao colo, levámo-los ao veterinário, gastando aí o dinheiro que tanto jeito dava para outras coisas mais necessárias, acarinhámo-los como se fossem bebés, esquecendo que o cão só é doméstico por preguiça, parasitismo, pois quase ninguém se lembra de que ele é descendente do possante lobo, uma fera, e este só gosta da montanha, da selva, da liberdade plena. O ser humano não tem o direito de manter com ele, na vila e na cidade, em apartamentos exíguos, um animal cujo habitat é outro, cuja espécie é muito diferente da nossa. Existem milhões e milhões de espécies na natureza – que seria de nós se as trouxéssemos para a cidade? Deixemos viver os animais na floresta, na montanha, na quinta, no seu meio, com as suas caraterísticas próprias, em liberdade, na natureza, e viva o ser humano onde mais gosta de viver, no meio urbano, com os seus carros, a abundante poluição, os seus escritórios, as suas fábricas, os seus cheiros, por vezes nauseabundos, o cansaço físico e espiritual, a doença, os seus brinquedos favoritos. Respeitemos as praias, os passeios (os humanos já se esqueceram de andar a pé?), os jardins (onde brincam crianças numa relva toda suja), conversemos mais uns com os outros, estimemo-nos, enobreçamo-nos.                 
     A contradição do ser humano é impressionante: tanto estima o bicho, gastando dezenas e dezenas de euros com ele, como logo o abandona à sua sorte! Há uns anos atrás, numa das ruas de uma vila do Minho passava uma carrinha: atrás iam duas pessoas e um cão; de repente o motorista abrandou, abriram a porta traseira e sacudiram o animal para a rua. O pobre do cão ladrou lamuriosamente, quase chorando, mas logo eles aceleraram e perderam-se de vista. Casos como estes acontecem de vez em quando. As autoridades: GNR e PSP, pouco podem fazer, por razões óbvias. Remetem o problema para as Câmaras Municipais e estas para o Governo. «É uma questão de saúde pública», reclamam algumas pessoas. E é. Esses cães, abandonados, vão passar fome, vão ter doenças, que transmitem aos humanos através da mordidela. «Quem nos protege?», gritam furiosas as populações de zonas turísticas, que todos os anos vêem aumentar o número de cães abandonados, chamados vadios. «Não há canis para tantos animais», confessam as Câmaras Municipais. Para cúmulo da desgraça, há famílias que agora têm dois ou três cães! Para quê?, pergunto eu. Para mostrar ao vizinho a sua abundância, o seu novo-riquismo? «Eles têm dois, nós temos três!» - assim pensa o burguês endinheirado, cheio de prosápia. É uma questão de número e de vaidade. Mentalidades tacanhas, viciadas pelo consumismo sem regras, fruto de uma “formação” tardia e imperfeita. Se tivessem a noção de quão ridículos se tornam ao andar na rua a passear cães! Um ser humano a passear cães ou quaisquer outros animais! Só visto!  

sábado, 25 de abril de 2015



VINTE E CINCO DE ABRIL


Vinte e cinco de Abril
sinónimo de liberdade
esperança de melhores dias
amálgama de fé e ingenuidade
condenação em massa do regime fascista.

A rua, essa rua inundada de corpos,
de vontades, de ânimos, de creres!
Essa rua, cadinho da revolução,
essa rua que foi ilusão,
 a rua do povo, enfim!

Castelos, figuras, sonhos:
tudo caiu… na rua!
Mussolini, Hitler, Salazar, Franco,
e quejandos, foram espezinhados!
Doutrinas, estruturas
(aparentemente sólidas)
caíram. Para sempre?!
Vinte e cinco de Abril: um dia
igual a um sonho/realidade!

Vinte e cinco de Abril
que prevalece em espírito
e não falece a vontade de luta!
Rasgaste outros horizontes,
fizeste nascer rios e fontes
que correm ainda e correrão sempre!

Vinte e cinco de Abril
dos militares as armas
do povo a vontade
de onde nasce a unidade
que nada destruirá!

A semente foi lançada
a mente a fecundou
e formosa madrugada
a revolução d’Abril gerou!


1977


NOTA: no dia 25 de Abril de 1974 acordaram-me às três horas da manhã para me anunciarem que estava em curso uma revolução. Eu era nessa altura um jovenzinho e morava na Mouraria, Lisboa. Levantei-me da cama e fui a correr para a janela. Via-se movimento de tropas e ouviam-se alguns tiros. Logo que rompeu o dia fui para a rua, juntar-me a milhares de pessoas que festejavam o 25 de Abril. Felizmente tudo correu bem, não houve banhos de sangue, e dali a dias, no 1.º de Maio, fizemos uma estrondosa festa. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

LEMBRANÇAS AMARGAS

romance

                                                                                            Por Joaquim A. Rocha
(continuação)


     Nunca me deu um tostão, o filho da mãe. Quando nasceu o teu irmão bem precisei; foram os vizinhos que me valeram, que Deus lhes pague e os proteja para toda a eternidade. Nem um tostão! Fome, nunca passastes; pão e um caldo de toucinho e couves tiveram sempre; mas podiam, se o malandro ajudasse, comer melhor, e ter roupinha para vestir. Nus nunca andaram, isso não, mas já calçado nunca tiveram, mas até faz bem andar descalço, ficaram com os pés rijos, pele de elefante. Olha os filhos dos ricos: sempre calçados, desde que nascem, e têm os pés que se assemelha a manteiga, desfazem-se mal tocam em qualquer coisa; vocês não, os vossos são de ferro, até à bola podeis jogar descalços. Canté! Se eu trocava os vossos pés pelos deles. E de burrinhos não tendes nada; meti-vos na escola, dei-vos aos dois a quarta classe. Mais não podia, não sou rica, mas a quartinha dei-vo-la. Que eu fui criada como uma menina de bem, com roupinhas bonitas, com bonito calçado, com comidinha boa. Mas a vida, o bandido que me desonrou, que me fez a tua irmã e não casou comigo, ele dizia-me sempre que casava, que casava: «Matilde, sem ti não consigo viver»; mas o tempo passou e ele não me veio buscar. De casa dos pais dele escorraçaram-me, mas pronto, ele não teve culpa, quem me mandou ficar de barriga?! E para que fui para Lisboa, estava tão bem na casa da minha madrinha, mas ela ia para o Brasil, queria-me levar com ela, mas eu não quis: «para o Brasil, nem morta!» Uma terra tão distante, viajar pelos oceanos, eu que nunca tinha visto o mar, só o rio, era capaz de morrer pelo caminho, pensava eu. Fui para Lisboa servir, sempre estava no nosso país, onde se falava a nossa língua.
- Mas, mamã: no Brasil também se fala português, disse o senhor professor na escola.
- Isso é o que vós dizeis, eu sei lá. Tão longe, com gente estranha, terra dos índios, andam nus e atiram setas venenosas às pessoas brancas, depois comem-nas! Não, do meu país não saio.
- Com que idade foi para Lisboa?
- Tinha dezoito anos. Não é para me gabar, mas era uma rapariga bonita; baixinha, mas bonita. E sabia fazer de tudo: cozinhar, limpar uma casa, passar a ferro – tudo!                     
- Agora aqui em casa não faz nada, abandalhou-se, é uma desmazelada. Nem vassoura tem!
- Nem preciso! Perdi o gosto pela vida, qualquer dia morro, já não falta muito, até há quem diga que já viram o meu enterro! Naquele tempo, sim: era nova, alegre, cantava sempre «verde Minho, verde Minho/quem me dera t’abraçar/ai de mim, longe de ti/tão cansada de chorar.» Os meus patrões de Lisboa gostavam imenso de mim: «ó Matilde, que bem cantas.» Mas aquele alfacinha refinado começou a fazer-me olhinhos. Não resisti: «Matilde, se não quiseres ser minha, mato-me, dou um tiro no coração.» Tão bonito que ele era – sempre bem barbeado, cheirava a limpo. E falar! Falava como um doutor. Gostei mesmo dele. Os pais não gostaram que me tivesse feito aquilo – eu não passava de uma criada de servir, de uma rapariga da província. Queriam melhor para o filho, uma menina rica, de boas famílias. Que eu era de boas famílias, pessoas honestas, trabalhadeiras, mas humildes. Eles queriam uma nora de posição, como eles. Botaram-me fora: «vai para casa dos teus pais criar o bebé, quando estiver crescido voltas.» Está bem, está. O que eles desejavam era ver-me portas a fora, longe do Adalfredo, eu era um estorvo, um empecilho, ai se a prometida dele soubesse! Mas olha, criei a tua irmã, ou melhor, criaram-na os teus avós, que eu, coitada de mim, tive de trabalhar, ir servir novamente. Fui para uma freguesia aqui do concelho, e logo fiquei de barriga cheia outra vez. O que me valeu foi que a criança deixou este mundo com meses. Logo a seguir fiquei grávida de outro. O de Lisboa ainda me escreveu durante algum tempo, a pedir-me que não me casasse, que esperasse, ele gostava muito de mim, mas que queres, é o destino, o meu fadário. O bruxo do Coto da Mó tinha razão. Um dia, fazendo sair de um frasco, com uma diabólica forma, os diabretes, ou bolinhas saltitantes, da cor da cinza e húmidas, as quais, por incrível que pareça, não molhavam a mesa, e ora se transformando em dezenas ou centenas, ora se reunindo numa só, disse-me: «Matilde, o teu futuro não se apresenta risonho, existem inúmeros obstáculos no teu caminho; só a força de vontade, a persistência, os poderão vencer; só vejo sombras em teu redor, tens muita gente que te quer mal.» Eu nunca tive essa força de vontade, deixei-me levar pelo destino, pelo fado cruel. 
(continua)...

quinta-feira, 23 de abril de 2015

FOTÓGRAFOS 

Foto tirada nos inícios do século XX

– Foi logo nos princípios do século XX que apareceram os primeiros fotógrafos em Melgaço. Um galego, de seu nome Agustin Alvarez, andou pelo Peso, Paderne, nas termas, e deixou algumas boas fografias. // Em 1918 começou a aparecer por Melgaço, nos dias de feira, o fotógrafo Rubin de Celis, muito conhecido em Monção, onde exercia a sua profissão há anos (Jornal de Melgaço n.º 1207, de 25/5/1918). // Passado pouco tempo surgiu em Melgaço, vindo de Espanha, Francisco Rodrigues Lopes, natural de Barroselas, Viana do Castelo, casado com uma senhora galega. // Nos anos trinta temos o monçanense, Manuel Luís Pires, cujas fotografias ainda hoje se podem ver um pouco por toda a parte. // Nos anos cinquenta surgiu nas feiras e festas Amadeu Colmeiro (Serôdio), natural da Vila de Melgaço, com a sua gigantesca máquina, cujas fotografias, obtidas através de técnicas algo duvidosas, faziam rir meio mundo. // Ainda no século XX desponta para a arte fotográfica o José Caldas, mais conhecido por “Zé da Acha”. Já tinha equipamento de certo modo sofisticado, e um pequeno estúdio. Uma altura, nos anos setenta ou oitenta, foi tirar fotografias a uns noivos, mas acontece que a noiva ia vestida com roupas de nylon, e nas fotos apareceu de corpo nu, o que foi um sarilho para o “Zé”. Por essa altura surge em Melgaço o “Brigadeiro”, vindo de Caminha, salvo erro, um genuíno profissional, que fez história neste concelho minhoto. Um seu filho, conhecido por “General”, é um grande artista, fazendo até fotografia para revistas internacionais. // Mas o maior fotógrafo nascido em Melgaço foi sem dúvida Manuel Joaquim Alves, conhecido por “San Payo”; andou pelo Brasil e teve estúdio em Lisboa, onde fotografou Carmona, Salazar, além de outras figuras públicas.          
                                                           Dicionário Enciclopédico de Melgaço

quarta-feira, 22 de abril de 2015

CARTAS DE CASTRO LABOREIRO

    Estas cartas tinham como objetivo chamar a atenção das autoridades do concelho para os problemas dos castrejos. Quanto a mim elas foras escritas por Matias Lobato, professor do ensino primário em Castro Laboreiro, sempre pronto a defender os interesses daquele povo serrano. Dele falarei um dia.


3.ª - «Sr. Redactor: desculpe-me o tanto insistir pelo bem desta pobre terreola do concelho, pois a considero como mãe, por nela ter visto pela 1.ª vez a luz do dia – de um dia formoso e lindo de Junho, quando ainda a passarada galreia por esses giestais, as urzes florescem e uma ou outra flor mimosa nos deleita a vista, aqui e além, nos prados verdejantes e nas searas de oiro. (…); e, no escrínio das preciosidades do “Correio” guarde, rogo-lhe, a descrição deste sonho de “um castrejo” – não pelo seu valor literário ou artístico, mas pela boa intenção que o ditou: - (…). O sol, com seus raios dardejantes, doirava os píncaros das serranias; e, do castelo mourisco, pela porta falsa, parece que uma encantada apregoava: vitória, vitória! Em linha recta de Portelinha à vila estendia-se a estrada férrea, deixando os ziguezagues aos povos ribeirinhos. O resfolegar duma poderosa máquina, acompanhado de um silvo agudo – que espantava a passarada nos salgueirais e enxotava os lobos das cavernas, chamava também a atenção dos moradores do sítio. As crianças, ao sair das escolas, muito limpas, muito tagarelas, viam com satisfação, pela 1.ª vez, o comboio, o veículo da civilização e do progresso, o colosso que num abraço fraternal vinha também trazer-lhes os primores da civilização. O comércio progredia a olhos vistos. As indústrias começavam a tomar incremento – especialmente as do chocolate, queijo e manteiga. Os gados aumentavam de preço. Os lavradores, abandonando a rotina, serviam-se dos novos processos na agricultura e de adubação das terras, e não tinham mais necessidade de abandonar o lar para irem auferir o necessário à vida. Os remediados trocavam o fato de burel pelo puro figurino de Estecolmo ou Petrogrado! E as meninas castrejas trabalhavam à máquina, cosiam e bordavam… (…). // Após o meu sonho doirado, um facto que me contrista a alma, por o julgar abusivo, ilegal, e sobretudo injusto, por desumano: anteontem, quando diversas mulheres conduziam mulas carregadas de milho, para esta freguesia, a Guarda-Fiscal deteve-as na Costa de Portelinha, fê-las retroceder ao posto de Alcobaça, e tiveram que pagar não sei quê e não sei porquê! Isto confrange-nos! Não colhemos pão para nós e nossos filhos, comprámo-lo com o suor do nosso rosto, pagamos o transporte e ainda nos sujeitamos ao fisco! Decididamente temos neste caso a lei de excepção de batizado civil dos vitelos. Mas isto é mais sério, isto é mais ponderável, isto força-nos a chamar a atenção do Chefe da Guarda-Fiscal para que, aos seus subordinados, dê ordens terminantes a fim de que factos desta natureza se não repitam. Não somos contrabandistas; e muito menos de milho, pois seríamos os primeiros a vigiar pela sua exportação; por isso, não podemos tolerar que as condutoras de milho para esta freguesia – milho que vem ser a fartura das nossas casas, esteja sujeito à menor intervenção da Guarda-Fiscal… // No p.p. dia 15 houve banzé na feira desta freguesia, que pôde ter as mais fatais consequências. Recomendamos aos agitadores o maior tino e que reconheçam que a honradez é o lema do homem de bem. / Castro Laboreiro., 18/2/1916.»             
    

     Nota do Correio de Melgaço: «Achamos justas, por todos os títulos, as considerações feitas pelo nosso solícito correspondente, devendo, ainda assim, dizer-lhe que, em virtude das providências tomadas pelas autoridades, não pode transitar, sem guias de circulação, o milho, centeio e feijão. Pode, portanto, ser aprisionada qualquer quantidade cujo condutor não esteja preparadinho, e para isso foram dadas ordens terminantes à Guarda-Fiscal. Bem compreendemos o incómodo, mas para grandes males… maiores remédios. E deste remédio todos devemos gostar – inclusivamente “um castrejo”.» 

terça-feira, 21 de abril de 2015

OS NOVOS LUSÍADAS 




3

Não copiemos exemplos degradados,
Nem quaisquer outros, mesmo em embrião;
Lancemos as barcas nos mares salgados,
Mostremos a todos que somos uma nação.
Fabriquemos de aço puro nossos arados,
Cultivemos com amor nosso chão;
Estendamos os braços às negras nações,
Pra que esqueçam tristes recordações.

4

Aprendamos as lições dos ancestrais,
Mas colhamos delas apenas o melhor;
Neguemos religiões, e tudo o mais,
Que tolhem o espírito e seu ardor.
Plantemos, como el-rei, grandes pinhais,
Para que tenhamos um novo odor;
Não coremos por sermos pequenino,
A grandeza está em tudo que é digno.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

PADRES POLÍTICOS EM MELGAÇO




VI



DOMINGUES, António (Padre Amigo). Filho de Manuel António Domingues e de Maria Rosa Marques, lavradores, residentes no lugar de Adavelha. Neto paterno de António Domingues e de Maria Rosa Domingues; neto materno de José Marques (do Senhor) e de Rosa de Almeida. Nasceu em Fiães, Melgaço, a 26/3/1884 e foi batizado na igreja católica a 28 desse mês e ano. Padrinhos: os seus avós maternos, lavradores, de Adavelha. // Foi pároco encomendado da freguesia de Paços, respondeu em tribunal por haver infringido a lei da separação entre Estado e Igreja Católica, sendo absolvido; transitou para Paderne, tomando posse a 18/2/1917, para suceder ao padre Manuel António de Sá Vilarinho, falecido a 19/1/1917. // Em Janeiro de 1918 foi escolhido pelo Governador Civil de Viana do Castelo para chefiar a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Melgaço. Os restantes membros eram: Francisco José Pereira, de Paderne, Bernardo José Domingues Salgado, de Prado, António Joaquim Esteves e José Augusto Teixeira, da Vila de Melgaço. Toda esta mudança, a suspensão da Câmara Municipal eleita, deve-se ao facto da revolta de Dezembro de 1917 ter vingado, levando Sidónio Pais ao poder; ele não confiava nas equipas camarárias recentemente eleitas, pensava que seriam hostis ao seu governo, e por isso suspendeu-as. Sidónio não teve muitos meses de vida, voltando tudo ao normal (ver Jornal de Melgaço n.º 1192, de 26/1/1918). // Faleceu em Paderne a 10/11/1962 (ver Notícias de Melgaço n.º 1453, de Novembro de 1962). 

     // Nota: com o padre "Amigo" dou por terminada esta série de padres políticos. Isto não significa que não haja mais, há, mas talvez não tenham tido a importância, a dinâmica destes seis. É bom não esquecer que Portugal era um país com muita gente analfabeta; o sacerdote estudara muitos anos no Seminário, adquirira alguma cultura, e por isso destacava-se no meio do povo rural e inculto. Por vezes eram solicitados pelos partidos políticos para fazerem parte das listas, alguns aceitavam outros não. Nem todos foram conservadores, alguns houve que defenderam a Primeira República com convicção. 

domingo, 19 de abril de 2015

PADRES POLÍTICOS EM MELGAÇO


V

GONÇALVES, Francisco António (Padre). Filho de António Gonçalves e de Maria Alves. Nasceu em Dois Portos (ou Cainheiras), Castro Laboreiro, em 1853. // Em 1874 ainda era estudante. // Foi pároco encomendado de Castro e “colado” em Prado de 1892 a 3/2/1922 (*), data em que faleceu. // Andou a braços com a justiça, por razões políticas, pois segundo parece não aceitou a mudança de regime, isto é, da monarquia para a república. O regedor de Prado, seu adversário, acusou-o de ele pactuar com o monárquico Paiva Couceiro. Lê-se no Correio de Melgaço n.º 8, de 28/7/1912: «… foram intimadas para no dia 29 comparecerem no comando militar desta Vila as testemunhas oferecidas em sua defesa…» Respondeu em Braga, a 3/8/1912, acusado de infringir a Lei da Separação (Igreja – Estado). As autoridades fizeram uma minuciosa busca em sua casa, convencidas de ali encontrar propaganda, ou armas; pelos vistos, os marinheiros nada encontraram, a não ser um velho revólver; retiraram, mas passadas 24 horas, por denúncia, foram prendê-lo e levaram-no sob prisão para Valença, no Auto Melgaço, ficando à disposição do comando militar. Ficou detido durante quinze dias, mas foi libertado. Os castrejos, duma maneira geral, regozijaram-se com a sua libertação. // No Correio de Melgaço n.º 33, de 19/1/1913 lemos: «Por ordem da autoridade administrativa foi mandada encerrar a igreja paroquial da freguesia de Prado, sendo entregue a chave aos Srs. Augusto César Gomes Pinheiro e Vitorino Domingues Salgado, devotados re… re… e mais que re… publicanos, membros da comissão paroquial, que exigiram ao respectivo pároco todos os vasos sagrados, inclusive a chave do sacrário, onde meteram as manápulas para procurarem o vaso. Não censuramos a autoridade administrativa, mas criminamos o cinismo dos dois entes que, rancorosamente, se intrometem em atribuições que … lhes não pertencem.» // No Correio de Melgaço n.º 34, de 26/1/1913, a administração do concelho chama a atenção do jornal: «Informa-nos a digna autoridade administrativa que a igreja de Prado não está fechada, motivo por que rectificamos a local com a epígrafe acima publicada em o último número do nosso jornal.» Afinal, fecharam ou não a igreja!? // No Correio de Melgaço n.º 35, de 2/2/1913, lê-se: «Participei ao Sr. Arcebispo, além de outros factos, que me fecharam violentamente a igreja paroquial – e cala-se; que me tiraram todos os vasos sagrados – e cala-se; que me extorquiram a chave do sacrário – e cala-se; que um membro da comissão paroquial teve o atrevimento diabólico de abrir o sacrário, poluindo aquele lugar, privativo recolhimento do S.S. Sacramento e, portanto, interdizendo todo o edifício – e cala-se; que um padre, tendo pleno conhecimento destes factos, foi no dia seguinte ali celebrar a missa – e cala-se. Não percebo! Não sei se esta falta de percepção será devida ao respeito que conservo ao meu superior, mas hei-de estudar o assunto, para ver se percebo, porque não percebo. // Prado, 29/1/1913. O Reitor, FAG.» // No Correio de Melgaço n.º 36, de 9/2/1913, vem publicado outro arrazoado seu: «Desejando – apesar do abandono – fazer inteira justiça a S. Ex.ª Reverendíssima, estudando o assunto, concluí o seguinte: o Sr. Arcebispo não se calou, porque para se calar era preciso ter conhecimento do que lhe participei; não, ignora tudo o que se passa no seu vasto arcebispado, e tiro esta consequência de uma resposta dada, em Braga, ao Sr. Prior de Paderne, deste concelho. Chegamos a tal tempo! Continuando, direi alguma coisa ao Sr. Núncio e ao Sr. Ministro das Finanças, apresentando documentos. // Prado, 7/2/1913. O Reitor, FAG.» // A seguir atira-se a um seu colega: «Triste posição a de quem não tem defesa e vem para a Lamparina (luz da ribalta, a público), sem a isso ser chamado. Quanto mais se manifesta, mais mostra o que é. Desta vez evidencia-se um bom discípulo de Lutero, pois este ensinou a fé em Jesus Cristo e blasfemou da mãe, a S.S. Virgem. Tu constitues-te defensor oficioso do Sr. Arcebispo, sem que alguém o ofenda, e calcas aos pés os documentos Pontifícios: “Apostolicae Sedis”, que impõe excomunhão reservada a quem usurpar jurisdição eclesiástica, a “Jam Dudum” (tu sabes porquê) e o Concílio Tridentino, que foi durante séculos lei desta nação. Infeliz, olha para a tua vida pública, no conceito em que és tido – nem te confiam as bulas, e quando se dá o caso de um casamento, que algum nubente te pertença, prescindem em Braga dos teus documentos. Mais, a gente sensata não quer comunicar contigo “in Divinis” – como o prova um documento em meu poder. És um homem de juízo… infeliz, quem te chamou? // Prado, 15/2/1913. O Reitor, FAG.» (CM 37, de 16/2/1913). // Mas não se quedou por aqui! Moveu uma acão a Vitorino de Jesus Salgado por injúria e difamação. O réu foi condenado, a 20/2/1913, em 15 dias de prisão correcional e 15 dias de multa, ficando a pena suspensa por dois anos, custas e selos do processo. // O seu cunhado, Jerónimo Barros, também veio a terreiro defendê-lo. // No Correio de Melgaço n.º 64, de 31/8/1913, pode-se ler outro artigo dele: «Até que justiça foi feita. O Ex.mo e Rev.mo Sr. Vigário Capitular, em portaria de 8 do corrente, ordenou que fosse estranhado aos párocos da Vila de Melgaço (Manuel José Domingues – 1875-1952) e Cristóval (…) terem – sem autorização minhaexercido nesta freguesia actos paroquiais, e como castigo lhes foi imposta a pena de suspensão das suas ordens, dentro dos limites da mesma freguesia. Prado, 25/8/1913. O reitor, FAG.» // Em 1914 publica no Correio de Melgaço: «Não assisti a uma célebre sessão da Câmara Municipal de Melgaço, mas pelo relato dos jornais vi o seguinte: um senhor vereador mostrou que é egoísta do dinheiro, porque tendo ele muito (que Deus lho conserve) não leva a bem que os professores deste concelho exijam uns magros centavos, que justamente lhes pertencem, e faz propostas que, bem traduzidas, são contra a instrução, porque sendo egoísta e entendendo que a ignorância não cabe toda na alma dele, quer que se estenda aos filhos dos munícipes, que lhes confiaram a cadeira onde se senta! Outro ponto dessa sessão, sendo companheiros deste vereador e achando-se na mesma sessão, dois irmãos de professores (Lobato e Azevedo), estes ficaram calados! Conclusão: quem não defende os seus parentes tão próximos, menos é competente para defender os interesses do município. Prado, 29/1/1914.» // No Correio de Melgaço n.º 91, de 15/3/1914, publica, na sua Secção Livre, uns apontamentos assaz hilariantes, acerca de um eventual cruzamento de raça entre castrejos e russos, ou noruegueses! Para evitar a epidemia, argumentava ele. Os seus conterrâneos, casando entre si, tornavam-se fracos, logo, a solução seria essa! Não falou na higiene, e aí é que residia todo o mal. Gado e pessoas viviam em comum, os corpos raram vezes viam a água e o sabão, as roupas eram lavadas raramente! A alimentação, devido ao isolamento, não era diversificada, comiam muita carne de porco, enfim, tudo contribuía para a fragilização dos seres. (Acerca dele ver também “Padre Júlio Vaz apresenta Mário”, p.p. 246-247).               

Nota: retirei desta microbiografia alguns dados pessoais a fim de não ferir suscetibilidades.

     /// (*) Noutro sítio diz-se que ele sucumbiu a 3/2/1923, em Prado (ver NM 166, de 25/9/1932).      

sábado, 18 de abril de 2015

PADRES POLÍTICOS EM MELGAÇO

IV

MAGALHÃES, Francisco Leandro (Padre). Filho de Francisco António Álvares de Magalhães e de Matildes Alves Caldas (*), proprietários, ambos de Riba de Mouro. Nasceu nessa freguesia de Monção a --/--/1859. // Ordenou-se no Seminário de Braga. // Em 1887 tornou-se pároco (reitor) de Alvaredo, substituindo o padre João Manuel Esteves Cordeiro. // Em 1890 foi padrinho de seu sobrinho, Inocêncio Álvares de Magalhães, batizado na igreja de São Paio a 6/1/1890. // De 10/11/1899 a 23/2/1901 foi pároco de Rouças. // Em Abril de 1916 o correspondente do Correio de Melgaço escreveu: «Conhecem o reverendo Francisco Leandro Álvares de Magalhães? Pois quem não conhece esta figura de destaque, já no concelho, já no arciprestado, já no arcebispado até! É o reitor de Alvaredo. A escória tentou feri-lo (…), denunciando-o à autoridade, contrário às instituições. Claro, também, foi uma honra para sua reverência o depoimento testemunhal: - (que haviam de dizer?), mas não perdoamos à autoridade administrativa o haver procedido à inquirição, sem saber quem era o caluniador, esses biltres de má fama e raça que, com baba ultra peçonhenta, tentaram manchar um carácter ilibado: - como político, como pároco, e como homem. Nós já depusemos aqui; mas se houvermos de fazê-lo no tribunal, ou mesmo no inferno, falaremos com igual desassombro: - o reverendo reitor de Alvaredo nem um mícron passa além da baliza que lhe indica o Dever.» // Tudo isto por causa da sua ideologia monárquica, de acordo com os do “Jornal de Melgaço”. Queriam derrubar o regime, mas os republicanos ainda estavam fortes. Nesse ano fez parte de uma lista para governar a Câmara Municipal de Melgaço, como vereador; no topo constava o nome do Dr. António Augusto Durães; ele vinha logo a seguir; as eleições foram a 5/11/1916, mas perdeu-as. Na dita lista constavam os nomes de José Barbosa Martins (substituto) e Matias de Sousa Lobato (substituto para procurador à Junta Geral do Distrito). // Depois do sidonismo vingar (Dezembro de 1917), viu os seus correligionários apoderar-se, por nomeação do Governador Civil, do poder concelhio. Ele próprio foi presidente da Comissão Administrativa, substituindo o padre António Domingues, de Fiães, nessa altura reitor da freguesia de Paderne (ver Jornal de Melgaço n.º 1205, de 4/5/1918, e Jornal de Melgaço n.º 1209, de 8/6/1918). O administrador do concelho era Custódio da Costa Brito, escrivão de direito. // Nesse ano de 1918, servindo de juiz, subscreveu uma sentença, num litígio que a empresa Águas Minerais de Melgaço movia contra a viscondessa do Peso e outros. // Apesar de ser presidente da Comissão Administrativa, pediu trinta dias de licença (ver Jornal de Melgaço n.º 1214, de 13/7/1918). // Morreu a 20/11/1920, numa casa do lugar da Igreja, Alvaredo, com 61 anos de idade. Segundo a imprensa local, no dia anterior à morte ainda jantara «com a melhor das disposições» (Jornal de Melgaço n.º 1312, de 21/11/1920). Teve um grande funeral, segundo o Jornal de Melgaço n.º 1313, de 28/11/1920. Diz-se ali que «passou durante a vida fazendo apenas o bem.» E a prova «vimo-la bem clara no dia do seu funeral, na grande concorrência de clero e povo, coroas, choros e lágrimas que o acompanharam até ao cemitério.» // Era irmão de José Narciso, viúvo, e de Teresa...  
     /// (*) Matildes Alves Caldas era filha de Francisco Alves Caldas e de Teresa Martins de Castro; faleceu a 17/11/1907, na residência paroquial de Alvaredo, com todos os sacramentos, no estado de viúva, com 77 anos de idade, sem testamento, com filhos, e no dia 19 foi sepultada no cemitério de Alvaredo.